O VALOR DA PALAVRA DA MULHER NOS CRIMES COMETIDOS NO ÂMBITO DA LEI MARIA DA PENHA.

A Lei Maria da Penha trouxe várias garantias e proteções para as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar.

 

Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, os tribunais brasileiros passaram a conferir uma maior relevância em relação a palavra da vítima nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

A doutrina e a jurisprudência também acompanham tal entendimento, reconhecendo a importância do depoimento da vítima, pois na maioria dos casos os crimes são cometidos na clandestinidade, às escuras, sem testemunhas e  deixando pouco vestígio.

 

Pelo fato da mulher estar em uma situação de vulnerabilidade frente ao homem, o compromisso de proteção leva o direito a conferir um maior valor ao seu depoimento, a jurisprudência inclusive assenta que em tese a palavra da vítima prepondera sobre a do autor.

 

Vejamos os seguintes julgados:

APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO. REPRESENTAÇÃO DA OFENDIDA E NÃO REALIZAÇÃO AUDIÊNCIA DO ART. 16, DA LEI MARIA DA PENHA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TIPICIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEV NCIA. PENA BASE. MODICIDADE. 1 – A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada, razão pela qual não há falar-se em representação da ofendida nem em realização de audiência específica para a retratação. 2 – Não se conhece da arguição de inépcia da denúncia feita após a sentença, dada que atingida pela preclusão. 3 – Escorreita a condenação quando as provas amealhadas desde a fase inquisitorial são idôneas e harmônicas no sentido de que o recorrente agiu com inegável ânimo de agredir e lesionar sua sobrinha, dentro da residência dela, por motivo banal e caracterizado pela violência de gênero, sendo que, em casos que tais, a palavra da vítima tem relevância destacada, ainda mais quando harmônica com as demais provas do acervo. 4 – Não prospera a alegação de excesso dosimétrico quando a pena base é fixada acima do mínimo legal com base da desfavorabilidade concreta de várias das vetoriais do artigo 59, do Código Penal. 5 – Parecer ministerial acolhido. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA.
(TJGO, APELAÇÃO CRIMINAL 328567-48.2013.8.09.0175, Rel. DES. JOAO WALDECK FELIX DE SOUSA, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 06/12/2018, DJe 2663 de 10/01/2019) (grifo nosso)

 

APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. I – Nos crimes de violência doméstica, porquanto incomum a presença de testemunhas, a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento dos fatos, gozando de especial credibilidade quando em harmonia e coerência com o conjunto de provas carreado aos autos. II – E pelo exame do édito condenatório, não há que se falar em redução das penas impostas uma vez que foram observadas as diretrizes do artigo 68 do Código Penal, acerca do sistema trifásico de dosimetria da pena, procedendo ainda com justiça o magistrado singular, ao sopesar as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, fixando penas coerentes com os crimes e em total consonância com o ordenamento jurídico, necessárias à repreensão e prevenção de novas práticas delituosas. III – Uma vez preenchidos os requisitos para a concessão de suspensão condicional da pena, estabelecidos pelo art. 77, do CP, e diante da Certidão de Antecedentes Criminais, e impossibilidade de aplicação de sanções restritivas de direitos – art. 44, há que se conceder tal benefício. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA PARCIALMENTE.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 250317-66.2016.8.09.0087, Rel. DES. JOAO WALDECK FELIX DE SOUSA, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 05/04/2018, DJe 2488 de 18/04/2018) (grifo nosso)

 

Não nos resta dúvida de que a palavra da vítima nos crimes envolvendo violência doméstica em razão do gênero possui um elevado grau de valoração, porém devemos ter cuidado para não voltarmos aos tempos medievais, onde não existia o contraditório e nem a ampla defesa, para que as declarações da vítima sirvam para uma possível sentença condenatória, as provas do crime praticado contra a mulher devem estar em consonância com as demais provas, e o depoimento da vítima deve ser firme e pontual.

 

Ainda que o depoimento da vítima seja dotado de credibilidade, a construção de uma investigação policial sólida por meio das delegacias especializadas na proteção da mulher, ajudaria na construção de outros elementos de provas que aliado ao seu depoimento serviriam de base para a condenação do agressor.

 

A vulnerabilidade enfrentada pela mulher no Brasil não pode servir de escusa para a ausência do contraditório e ampla defesa, pois a real proteção da mulher só será atingida com respeito às garantias constitucionais e com uma condenação embasada em elementos probatórios robustos.

 

Sobre o assunto, o TJ/GO e o TJ/MG já se manifestaram, vejamos:

Condenação por ameaça de gênero. Lei Maria da Penha. Pena: 2 meses de detenção, regime inicial aberto. Apelação da defesa postulando prescrição ou absolvição. 1- Inocorrência de prescrição. 2- Absolvição por insuficiência da prova. A palavra isolada da vítima, sem harmonia com o conjunto probatório, não é suficiente para a condenação. 3- Conclusão: recurso provido; parecer desacolhido.
(TJGO, APELACAO CRIMINAL 205783-73.2011.8.09.0164, Rel. DES. EDISON MIGUEL DA SILVA JR, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 23/04/2015, DJe 1787 de 19/05/2015) (grifo nosso)

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 129, §9º, DO CÓDIGO PENEAL. LESÃO CORPORAL. AUTORIA. PALAVRA DA VÍTIMA ISOLADA E VACILANTE. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO ‘IN DUBIO PRO REO’.
Impõe-se a absolvição quando o conjunto probatório deixa dúvidas intransponíveis quanto ao envolvimento do agente no delito de lesão corporal narrado na denúncia, por força do princípio ‘in dubio pro reo’, máxime quando a própria vítima se mostrou vacilante em suas declarações.  (TJMG –  Apelação Criminal  1.0446.12.000004-2/001, Relator(a): Des.(a) Renato Martins Jacob , 2ª C MARA CRIMINAL, julgamento em 03/09/2015, publicação da súmula em 14/09/2015) (grifo nosso)